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Há uma distância abissal entre o procedimento inquisitorial e o procedimento inquisitivo.
O procedimento inquisitorial se iniciava com uma forma de libelo e era conduzido por um tribunal da fé para extrair informações de comprometimento do acusado e pessoas a ele ligadas, utilizados institucionalmente os mais cruéis meios de tortura quando o paciente, que não tinha acesso às acusações e não podia produzir declarações livremente, não dizia o que o inquisidor queria ouvir.
O procedimento inquisitivo, iniciado com uma denunciação formal ou fortes indícios, é conduzido por autoridade da área envolvida, promovidas investigações e coleta de informações para estabelecer a posição do indiciado em face das imputações que lhe são feitas. O uso de qualquer meio de tortura desclassifica o procedimento inquisitivo, assim como a negativa de informação ao paciente das acusações contra ele, que nas inquirições pode produzir declarações livremente, com elas exercendo, intuitivamente, o direito de autodefesa.
Só depois de finalizado o procedimento inquisitivo a autoridade responsável faz o seu Relatório, no qual pode concluir, inclusive, pela improcedência da denunciação. Enviado o Relatório ao MP, sendo este o caso, o ‘Parquet’ pode decidir pelo arquivamento; se oferecida a denúncia, o Judiciário pode não admiti-la. Apenas se aceita, inaugura-se a fase processual; ampliando-se a compreensão do tema, só aí se inicia a fase judicial.
O Provimento 63/09, do CNJ, não prospera. Cidadãos por ele envolvidos têm a seu favor o remédio heroico do Mandado de Segurança (Ver post de).
O inquérito policial é um procedimento inquisitivo, não inquisitorial. Este último tem caráter de exame vexatório, é desumano. Para ser bastante pertinente, dizer-se isso não implica nenhuma heresia.
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RITO PROCESSUAL MAIS ÁGIL, MAS SEM FERIR DIREITOS – Publicado originalmente em 02.06.2011
Luiz Flávio Borges D’Urso *
“O Provimento 63/09 do CNJ, ao permitir que inquéritos policiais tramitem diretamente entre a Polícia e o Ministério Público, suprime o controle jurisdicional, afrontando a Constituição” A intenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao editar o Provimento 63/09, era a melhor possível: agilizar o rito processual. Mas, como é sabido, abriu uma perigosa brecha ao permitir que inquéritos policiais tramitem diretamente entre a Polícia e o Ministério Público, excluindo, assim, a necessária atuação do Poder Judiciário. Com isso, a norma do CNJ pode retirar do cidadão que porventura esteja envolvido em investigação policial o direito de ter acesso aos procedimentos por meio da atuação do Poder Judiciário. Tanto o risco de ferir este direito existe que os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiram rejeitar a tramitação direta dos inquéritos, inclusive determinando às Comarcas do interior do Estado que revertessem a prática, pleito também levado ao TJ-SP pela OAB-SP. O mesmo não ocorreu na Justiça Federal, levando o Conselho Federal da OAB a manifestar suas críticas e a Associação dos Delegados da Polícia Federal a ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. A Secional Paulista da OAB sempre esteve atenta ao problema e impetra mandados de segurança contra as varas federais que insistem em manter a tramitação dos inquéritos policiais diretamente entre a Polícia e o Ministério Público. É verdade que o CNJ, ao permitir o trânsito direto, quis resguardar os direitos da cidadania ao prever exceções nos casos em que ocorrem pedidos de medidas cautelares, ordens de prisão, interceptação telefônica e mandados de busca de apreensão. Mesmo essa cautela, porém, não exclui o fato de que o Código de Processo Penal é contrariado em casos nos quais cabe ao juiz determinar diligências ou utilizar o poder de dilatar prazos de investigação policial. Mais grave: o Provimento afronta a Constituição Federal. Por exemplo, ao suprimir o controle jurisdicional na fase de investigação policial, a norma, além de abrir espaço para arbitrariedades que podem ser cometidas por agentes do Estado, deixa ao Ministério Público a competência exclusiva para ditar e fiscalizar o andamento dos inquéritos. Ora, tal atribuição, exclusiva porque feita sem o exame do Poder Judiciário, é inadmissível no Estado de Direito, uma vez que o Ministério Público é parte interessada nos processos penais. Assim, por mais isenta que seja sua atuação – e na imensa maioria dos casos, o é –, a imparcialidade que deve reger toda a investigação fica comprometida. Tenho certeza de que não é este o modelo que o Ministério Público ou o CNJ desejam fazer prevalecer. A questão é que, como está, o Provimento pode deixar o cidadão sem o fundamental direito à tutela jurisdicional, ou seja, sem a garantia da ampla defesa. Outro aspecto a merecer revisão é que o Provimento do CNJ abre um precedente extremamente perigoso em relação às prerrogativas profissionais dos advogados, tão claramente inscritas em nossa Constituição: viola-as por dificultar, sobremaneira, o acesso do advogado aos autos da investigação, uma vez que o juiz, sem contato com o inquérito, não tem como franqueá-lo ao defensor. Esta é uma anomalia que os advogados não podem assistir sem reação. Já enfatizei várias vezes neste e em outros espaços que, apesar de a Constituição ser cristalina, ainda há quem confunda as prerrogativas do advogado com um privilégio do profissional, quando, ao contrário, trata-se de seu dever para com o cliente. Qualquer decisão, por mais bem intencionada, que atente contra este pressuposto básico, corrompe o texto constitucional, mais especificamente o artigo 133, que todos conhecemos e no qual se consagra o princípio indissociável do Estado de Direito: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Limitar o múnus advocatício à lei foi sábia decisão do constituinte de 88. Mas lei alguma, menos ainda um Provimento como o 63/09, pode suprimir a devida proteção do Poder Judiciário aos cidadãos e suas garantias constitucionais, sendo que uma delas é a de justamente franquear ao advogado o inquérito no qual alguém, eventualmente, esteja envolvido. Por tais razões, a OAB-SP seguirá propugnando pela volta do controle jurisdicional sobre os inquéritos policiais. E apoiará todas as medidas que objetivem dar maior agilidade à Justiça, desde, claro, que não entrem em desacordo com os princípios básicos do Estado de Direito.* Luiz Flávio Borges D’Urso é (foi) presidente da OAB-SP